quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O acesso à língua escrita




“[...] Por trás das mãos que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.” (Ferreiro, 2006, p.68).

Bem-vindo, leitor(a)!

É com grande satisfação que apresento estes textos que tratam da Psicogênese da Linguagem Oral e Escrita: Alfabetização e Letramento, o qual trata de assuntos intrínsecos às áreas de educação, psicologia e psicopedagogia, no que tange às capacidades leitoras e escritoras do indivíduo, criança ou adulto.
O profissional da educação, psicologia ou psicopedagogia atuará com crianças ou adultos que muitas vezes apresentam desvios de aprendizagens nessas áreas, seja por motivos de deficiência na aprendizagem ou problemas neurológicos.
Talvez, os parágrafos acima, provoquem o questionamento de por qual motivo deve-se estudar assuntos relacionados à pedagogia para entender assuntos da psicopedagogia ou psicologia. Saiba que, embora, o conteúdo abrace assuntos relacionados às práticas pedagógicas, a psicopedagogia é uma ciência que tem como objeto de estudo: como o indivíduo aprende.
            E foi assim que nasceu a psicopedagogia, conforme a frase emitida pela psicopedagoga Emilia Ferreiro logo no início dessa apresentação, por uma preocupação com a aprendizagem humana, que é tema intrínseco aos textos disponibilizados.
Desejo bons estudos!










INTRODUÇÃO

Olá leitor(a),

Em uma época remota, a escrita não era do jeito que conhecemos, foram necessários muitos desenhos, riscos, rabiscos para que, o homem pudesse se comunicar por meio de símbolos.
Será que é possível por um momento se colocar no lugar das pessoas que viveram em uma época em que a escrita não era como conhecemos hoje, como se transmitiria por meio de símbolos, como exemplo, que se ama uma pessoa?
Hoje, é fácil imaginar símbolos variados, mas naquela época, 3300 a.C., pelo que consta a história da aquisição da escrita e da leitura, que essa descoberta ocupava bastante o tempo de uma pessoa que queria se comunicar com outra.
Quando nos deparamos com pessoas de outros países que falam línguas “estranhas” ao nosso vocabulário da língua materno ou segunda língua, muitas vezes não nos comunicamos satisfatoriamente, mesmo que tenhamos que “desenhar” símbolos.  Como é que isso pode ser resolvido nos dias atuais? Acredito que recorramos às línguas que tenhamos mais familiaridade, mas nem sempre essa comunicação vai ocorrer satisfatoriamente.
 Temos um aprendizado anterior da escrita da nossa língua materna, entendemos que para se comunicar por meio da escrita, precisamos simbolizar pela representação da junção de traços, retas, semi-retas, curvas, círculos, que são símbolos mais ou menos geométricos que constam no nosso alfabeto como conhecemos hoje, mas entendemos que nem todas as línguas no mundo inteiro são assim, há diferenças gráficas e sonoras, peculiares a cada uma.
Mas, naquela época, centenas e milhares de a.C. esse entendimento global, a formação de línguas diversas não existia, não havia sequer um modelo de escrita, ou seja, na prática profissional, o psicopedagogo(a) vai se deparar com crianças, adultos com desvios de aprendizagem que têm dificuldades de apreender a língua materna enquanto símbolo, e, este profissional é que vai ajudar a desvendar e a construir esse mundo novo das letras, dos números para seu paciente ou cliente.
 Esses desvios de aprendizagem podem ser pedagógicos, emocionais, neurológicos, a saber, mau desempenho escolar (MDE), distúrbios de aprendizagem (DA), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), superdotação ou super habilidades, dislexia, sobrecarga nas atividades impostas pela família à criança, dentre outros. E ainda, adultos que não puderam aprender a ler a escrever quando eram crianças e precisam de suporte psicopedagógico para alcançar esse aprendizado.
E quem aprende a “escrever”, aprende a “ler”. Será mesmo?. O profissional ao ter contato com a teoria, com os estudos de caso e na prática profissional, verificará que muitos indivíduos que escrevem, não sabem ler, ou não sabem significar o texto escrito, ou na prática da leitura não conseguem dar sentido ao texto lido.
Por que isso acontece? Pois, o fato do indivíduo escrever e ler significa que o indivíduo é alfabetizado, aprendeu as técnicas da leitura e da escrita, mas não significa que o indivíduo seja letrado.
Há importância da alfabetização e do letramento para a vida pessoal, profissional e acadêmica já que denota a compreensão em sua amplitude do uso da leitura e da escrita nos mais variados contextos, inclusive o emprego da leitura e da escrita em situações típicas do cotidiano que devem permitir uma comunicação fluída e coesa.
Na área da educação formal, a aquisição da leitura e escrita é essencial para a compreensão de todas as disciplinas, sendo que, no ano de 2015 o PISA (Programme for International Student Assessment) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, avaliou o letramento do estudante brasileiro como crítico, segundo o PISA 2015, o Brasil estacionou em relação ao PISA 2012 (o PISA é aplicado de três em três anos[1] e tem como objetivo verificar o nível educacional de jovens de 15 anos em provas aplicadas de matemática, leitura e ciências, em referências está informado o link do último PISA 2015).
Com a finalidade de aprofundar o conhecimento teórico, permitir a motivação e curiosidade acerca do proposto, os textos têm como objetivos principais:
Entender o processo de aquisição da escrita e leitura.
·         Aprofundar o entendimento sócio e histórico da trajetória da aquisição da escrita e da leitura.
·         Dialogar teoria e prática de aquisição da escrita e da leitura por meio de autores da área da educação e da psicopedagogia.
·         Conhecer e ampliar o conhecimento da prática da aquisição da leitura e da escrita na visão educacional por meio de métodos de alfabetização.
·         Entender a diferença entre alfabetização e letramento e sua importância para a formação humana na vertente da comunicação.

Desejo bons estudos e novos olhares para a aquisição das competências leitoras e escritoras em consonância com às áreas de educação, psicologia e psicopedagogia!

                                                                                                                     







“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” (Paulo Freire, 1997, p. 52)

I – O ACESSO À LÍNGUA ESCRITA

            O “O acesso à língua escrita”, revela o entendimento como crianças e adultos aprendem a escrever, e o entendimento para que o profissional, intervenha adequadamente nos casos de desvios na capacidade escritora.
            A importância da aquisição da escrita para a criança que está aprendendo a escrever ou o adulto que não teve a oportunidade de aprender a escrever na infância.
            Verifica-se por meio do estudo da aquisição da língua escrita o quanto é importante o olhar sensível de quem ensina, ou melhor, do mediador da aprendizagem nos primeiros caminhos para quem está aprendendo a arte de escrever, fato que adentra o indivíduo em um mundo novo e maravilhoso da comunicação por meio de riscos, rabiscos, letras, palavras e frases.
E sobre ensino e aprendizagem, o referencial de quem media a aprendizagem deve ser o de levar o indivíduo a construir o conhecimento, conforme Paulo Freire enfatizou na frase mais acima, e a desejar desvendar novos conhecimentos que tenha significado para quem está aprendendo.   
            A escrita significa o pensamento, ideias e traduz por meio do texto escrito, muitas vezes, o que se sente. Portanto, o processo de aprendizagem requer por parte do mediador, respeito ao ritmo da criança, à cultura em que está inserida, e ser motivada a ser participante ativa no processo de construir a sua aprendizagem.
            Emilia Ferreiro, Ana Teberosky, Paulo Freire, Vygotsky e Luria, autores primordiais não apenas para a psicopedagogia, mas também para que educadores do mundo inteiro pudessem tirar o foco da aprendizagem mecânica e repetitiva, para a dinâmica de ensino e aprendizagem na interação com o meio social e cultural do indivíduo.
Portanto, as ideias de todos esses autores e algumas reflexões sobre “Alfabetização na Era digital” acrescentarão saberes para a formação do psicopedagogo(a).
Para iniciar, vamos compreender melhor como se deu a aquisição da escrita por meio da evolução da escrita no decorrer do tempo.

1.1 A ESCRITA COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL

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Figura 1 – Evolução da escrita no decorrer do tempo

Na imagem acima, Da escrita pictográfica à cuneiforme, fica evidente a importância da representação escrita pelos homens para se comunicar. A escrita cuneiforme foi descoberta pelos Sumérios e o termo é derivado da palavra “cunha” que era um tipo de “caneta” (pequena ferramenta de entalhe) que gravava símbolos em placas de cerâmica.
A escrita é um suporte representativo do pensamento e da linguagem e é mediada desde os primórdios por meio de símbolos que perduram no tempo enquanto veículo de comunicação, sua produção, tem o intuito de transmitir uma mensagem para um receptor ou receptores, sendo significativas em qualquer época.
Até os dias atuais a representação da escrita é diferente de uma sociedade para outra, mas todas têm o mesmo objetivo: comunicar.
Ana Teberosky (2002), pesquisadora sobre alfabetização, estudou o surgimento da escrita e percebeu a importância da função social do registro mesmo nas civilizações mais antigas, onde era comum o uso de marcas gráficas. Para esta autora a transmissão gráfica tinha o objetivo de comunicar e registrar, ou seja, materializar a mensagem que permite que o emissor possa conectar-se com o receptor, mesmo a distância.
Houve uma época na civilização mesopotâmia em que a escrita era o meio que propiciava a melhor das profissões: os escribas. Estes profissionais eram responsáveis em registrar, copiar leis, transmitir mensagens, calcular taxas, atualizar calendários, dentre outras atribuições.
A escrita desenvolveu-se enquanto linguagem através dos tempos e, assim sendo, a linguagem oral também foi afetada.

1.2 ESCRITA E ALFABETIZAÇÃO

“Ler não é decifrar, escrever não é copiar” (Emilia Ferreiro, 1999, p. 283)

            A frase acima é o marco inicial para entendermos como a psicopedagoga Emilia Ferreiro iniciou suas pesquisas com o objetivo de entender como seria possível aprender a escrever sem recorrer à cópia e repetições exaustivas de listas de palavras e ditados impostos pela alfabetização tradicional e, ler sem “adivinhar” o escrito.

  “Fundamentalmente a aprendizagem é considerada, pela visão tradicional, como técnica. A criança aprende a técnica da cópia, do decifrado. Aprende a sonorizar um texto e a copiar formas. A minha contribuição foi encontrar uma explicação, segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa. Essa criança não pode se reduzir a um par de olhos, de ouvidos e a uma mão que pega o lápis. Ela pensa também a propósito da língua escrita e os componentes conceituais desta aprendizagem precisam ser compreendidos.”
(Folha de São Paulo, Emilia Ferreiro, 1985, p. 14).


Em entrevista a Folha de São Paulo, Emilia Ferreiro explica os motivos pelos quais resolveu investigar o processo de aquisição de escrita pela criança, e sendo assim, inaugurou uma nova maneira de alfabetizar sem recorrer à cópia, a visão tradicional que tirava da criança, do indivíduo, a capacidade de construção da aprendizagem.
No dia 03 de junho de 1985 a Folha de São Paulo veiculou entrevista realizada com a psicolinguista argentina Emilia Beatriz Maria Ferreiro Schavi, conhecida como Emilia Ferreiro, uma das mais renomadas educadoras do mundo quando o assunto é alfabetização. Foi aluna de Jean Piaget[2] em Psicologia Genética, onde pode iniciar a desenvolver ampla pesquisa sobre aquisição da linguagem. Nesta entrevista a educadora aborda assuntos sobre sua pesquisa realizada no tema psicogênese da língua escrita que leva o nome do seu livro escrito em parceria com a psicolinguista espanhola Ana Teberosky.

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Figura 2 – Foto da psicopedagoga argentina Emilia Ferreiro

A psicogênese da língua escrita é uma abordagem onde a criança se apropria da língua escrita por meio da interação, da construção da língua e não como método. A criança ou aprendiz teria então para estas autoras, assim como para Jean Piaget, prontidão para o aprendizado de forma ativa, assim sendo, o ritmo de aprendizado é individual, com avanços e recuos até que a própria criança ou aprendiz aprenda a escrever de forma natural.



Etimologia do termo Psicogênese:
Estudo da origem e desenvolvimento dos processos mentais ou psicológicos, da mente ou da personalidade. A origem ou o desenvolvimento desses processos mentais ou psicológicos; PSICOGENIA. Estudo das causas psíquicas geradoras de alterações no comportamento.

Por meio da psicogênese da língua escrita, o aprendiz que está sendo alfabetizado constrói significados no aprendizado da leitura e da escrita, ao mesmo tempo em que amplia seus conhecimentos sobre a linguagem. Esta aprendizagem não se inicia na escola, mas bem antes dela. 
A interação com o meio possibilita desafios que permitem ao indivíduo a construir seu aprendizado e a evoluir socialmente e culturalmente.
O ensino da escrita deve levar à criança ou aprendiz a possibilidade de construir a sua aprendizagem, ou segundo Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, que se aproprie das funções sociais da escrita por meio do contato com textos repletos de significados culturais para o meio em que ela vive.
Portanto, a mediação ensino-aprendizagem da escrita sempre deve permitir que a criança pratique a descoberta das palavras que fazem parte de seu ambiente e quando praticar a leitura dos pequenos textos possa elaborar seus próprios registros, sempre com a mediação do seu professor ou professora.




Figura 3 – Garatujas


A figura 3 - Garatujas são as primeiras formas de tentativa de representação escrita feita pela criança. São traços e rabiscos desornados que, no entanto, possuem significado comunicativo revelando sentimentos, vontades, emoções. Nesta fase a criança ainda não tem ideia da escrita como convenção.  
           

Reflexão: Qual a contribuição que a psicopedagoga Emilia Ferreiro ao investigar como a criança constrói a escrita possibilitou para a psicopedagogia?

No livro Pensamento e Linguagem (2008), Lev Semenovich Vygotsky, psicólogo bielo-russo, reflete que a linguagem escrita é um produto cultural construído historicamente, assim sendo, vai além da aquisição da grafia das palavras. Assim como Emilia Ferreiro, este autor afirma que o processo de aquisição da escrita inicia-se bem antes da criança ou aprendiz ingressar na escola.
O estudo de Vygotsky (2008) sobre o desenvolvimento da aprendizagem contempla as interações com o meio cultural em que o indivíduo está inserido: sua família, o bairro, a cidade, o estado, o país em que vive, e mais tarde, a escola, os amigos, e nos dias atuais, podemos incluir o mundo da internet, onde as interações acontecem em todos os momentos com pessoas de diferentes culturas.
Essas trocas com o meio propiciam que o indivíduo adquira características cognitivas, emocionais, orgânicas, psicossociais e culturais, portanto, para este autor, o ser humano é sociointeracionista.
Esta interação postulada por Vygotsky é dialética, pois internaliza aspectos sociais e culturais e tem o poder de transformar o indivíduo a ser sujeito de mudanças importantes na sua vida, no meio em que vive, assim como também versa a teoria de Paulo Freire.

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Figura 4 – Foto do psicólogo bielo-russo Lev Semenovich Vygotsky

Para Emilia Ferreiro, Vygotsky e Paulo Freire, o ensino da língua escrita deve estar em consonância com o objeto de estudo da psicopedagogia (como o indivíduo aprende), levando-se em consideração que toda criança, ou todo indivíduo adulto não alfabetizado estão prontos para o aprendizado e, os conhecimentos prévios devem ser utilizados como objeto de aprendizagem.
A vivência da criança ou aprendiz na alfabetização para Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, acontece de forma natural, não é necessário ter prontidão para aprender de forma mecânica como o ensino tradicional enfatizou, com avaliações de percepção (saber distinguir sons e sinais) e de motricidade (ter coordenação motora, orientação espacial, noções de lateralidade).
Para estas autoras, aprender a escrever é muito mais do que repetir padrões de escrita mecânica, mas sim, na medida em entra em contato com a escrita, desenvolve a sua motricidade, percebe a sua lateralidade, internaliza sons e sinais inerentes a este aprendizado para assim, construir a sua escrita.
Para Alexander Romanovich Luria (2006), neuropsicólogo russo, a linguagem escrita contém em sua composição níveis diferenciáveis que estão ausentes na linguagem oral. A linguagem escrita trata de uma série de processos de nível fonemático, tais como a procura de sons isolados, sua contraposição, a codificação de sons separados em letras, a combinação de sons e letras isoladas em palavras completas.

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Figura 5 – Foto do neuropsicólogo russo Alexander Romanovich Luria

Nesta vertente, a linguagem escrita possui um vocábulo mais consistente de palavras do que a linguagem oral. A produção da linguagem escrita pressupõe léxico consistente, combinação de termos gramaticais, alternativas de formação da frase e expressão verbal.
 A linguagem escrita, explica este autor, é o instrumento essencial para organizar os processos de pensamento, incluindo, operações conscientes, que transcorrem mais lentamente do que o oral.
Para Vygotsky (2008) a aquisição da escrita, assim como sua produção, ocupa um lugar muito restrito na prática escolar em relação ao papel que deveria desempenhar no desenvolvimento sócio e cultural da criança, pois para este autor, seria necessário que a educação privilegiasse as trocas culturais e sociais com o meio em que vive para internalizar a escrita como forma de instrumento de comunicação.
Portanto, vale uma reflexão sobre como a educação brasileira norteia o aprendizado da construção da escrita enquanto vertente comunicativa, o que permitiria melhores trocas culturais e sociais e, em conseqüência, se sentir parte do meio cultural em que se vive.

Mais importante do que caneta e lápis nesta fase, é dar a oportunidade da criança explorar o ambiente, como exemplo, ter contato com instrumentos musicais, com o computador, poder apertar suas teclas; poder pegar o copo para beber água e encher este copo mesmo que transborde nas primeiras tentativas.

Ou seja, Vygotsky, privilegiou em seus estudos a importância dos mediadores que estão entre o indivíduo e o meio com a finalidade de desenvolver as capacidades mentais superiores que privilegiam: planejar a ação, saber decidir entre duas opções, desenvolver as capacidades subjetivas do pensamento como imaginar.
Vygotsky, Freire, Luria, Ferreiro e Teberosky, chamam a atenção de que, o ensino da escrita e da leitura deve propiciar, além da alfabetização, a independência do indivíduo para comunicar-se por meio da linguagem escrita.
O ensino da escrita não deve ser mecânico, deve ser natural, respeitando assim o ritmo da criança no seu aprendizado da aquisição da escrita. Não deve ser ensinado como método, mas sim como meio de descoberta da criança no mundo das palavras. 
            Paulo Freire em sua busca por uma concepção crítica da alfabetização percebeu que os caminhos das cartilhas eram ensinados de forma mecânica: aprendiam o ba-be-bi-bo-bu, e em seguida a babá, o bebê, o que não ia ao encontro da construção da aprendizagem em que este autor sempre defendeu.

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Figura 6 – Foto do educador brasileiro Paulo Freire

Sendo assim, este autor privilegiou a leitura critica da realidade por meio da palavra geradora de sentido, que nada mais é do que palavras que carregam significados afetivos, culturais e sociais para o indivíduo naquele determinado momento em que a aprendizagem está acontecendo. Para Freire, o foco da dinâmica, ensino e aprendizagem, está em quem aprende e não em quem ensina.



Os quadrinhos abaixo versam sobre a vida escolar e o tema aquisição da escrita, e como sabemos, a Mafalda é uma menina que sempre reflete e indaga sobre as coisas do mundo. Mafalda ao falar com seu amiguinho Filipe conclui que aprender a escrever “leva muito tempo”. A que “burocracia” Mafalda está se referindo? Qual a visão que Mafalda tem da vida escolar?





                FIGURA 7
Imagem relacionada
Mafalda e Filipe conversam sobre a aquisição da escrita

1.3 Reflexões educativas para os novos tempos: a aquisição da escrita na era digital

            O que muda com a produção escrita na era digital? Nos anos iniciais de aquisição da escrita, o computador pode ser usado com objetivo lúdico? As mídias educativas acrescentam recursos atrativos e podem ser utilizados para explorar os conhecimentos prévios das crianças ou dos adultos?
            Nos dias atuais, o contato com a internet é um meio comunicativo cultural que está inserido nas famílias e a escola deve lançar mão desse recurso para disseminar conhecimento e, também acesso, para as crianças e adultos que não têm a oportunidade de ter essa mídia em casa.
            Na história da humanidade os suportes de escrita evoluíram. A humanidade já escreveu e leu em: placas de argila, pedra, couro, tábuas, papiro, pergaminho, papel, máquina de escrever, hoje temos o computador.
            Sendo assim, a era digital requer que o educador inclua práticas socioeducativas que permitam às crianças ou ao adulto explorar o mundo em que vive.
Quando falamos de escrita não estamos apenas relacionando-a a motricidade, também ao contato que o indivíduo tem com as imagens das letras desenhadas nos livros, revistas, jornais que estão disponíveis desde seus anos iniciais de vida. Nos outdoors espalhados nas ruas, nas placas dos carros, nas telas da televisão, ou seja, em todos os momentos, esses recursos participam do processo de aquisição da escrita pelo indivíduo.
            E o computador é mais um suporte que vem acrescentar para o aprendizado, é preciso apenas bom senso por parte do mediador ao propor o seu uso em sala de aula.

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Figura 8 – Crianças interagem com o computador

      
Para que as reflexões não parem por aqui, assista ao vídeo do Youtube, link informado em referências e leia a entrevista (anexo ao final) da autora Emilia Ferreiro e a professora Telma Weisz[3], referentes ao tema “Alfabetização e novas tecnologias.




















            Por meio do objetivo proposto neste texto, referente ao Acesso à língua escrita verificou-se a importância do entendimento sobre como se dá a construção da língua escrita pelo indivíduo, criança ou adulto, para o trabalho do psicopedagogo que atuará em escola ou clínica.
            A psicogênese da língua escrita estudada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, revela que a evolução da escrita por meio dos tempos, se deu em respeito ao ritmo de descoberta e construção da comunicação escrita pelo homem e, sendo assim, as práticas mecânicas de alfabetização do mundo atual não estavam em consonância com esta habilidade natural do ser humano que é a construir o próprio conhecimento.
            Este fato permitiu o diálogo com autores que se interessaram em entender como o ser humano aprende, tais como, Vygotsky, Paulo Freire e Luria. Esses autores concordam que o ser humano deve aprender enquanto ser social e cultural e, cada cultura possui modos de comunicações diversificadas que devem ser levadas em consideração quando o assunto é alfabetização.
            A construção da linguagem escrita não está restrita ao lápis e papel, sendo assim, as tecnologias atuais permitem novas formas de comunicação escrita, inclusive no que diz respeito a novos símbolos e formas de escrita que outrora fora imaginada como comunicação possível.
Na entrevista com Emilia Ferreiro e Telma Weisz sobre Alfabetização e novas tecnologias, disponibilizada em anexo, as autoras revelam a importância do uso das novas tecnologias para a alfabetização, pois uma nova cultura escrita surgiu por meio de imagens e textos midiáticos, o que é o resultado da capacidade humana acrescentar novas formas de comunicação por meio da construção da escrita.


1) (FUNCAB-RJ). Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, em suas pesquisas, dizem ser de suma importância que o professor tenha maior conhecimento da psicogênese da língua escrita para entender a forma e o processo pelos quais a criança aprende a ler e a escrever, para detectar e entender os erros construtivos característicos das fases em que se encontra a criança e para saber desafiar seus alunos. Assinale a alternativa que apresenta um conceito que faz parte da teoria psicogenética.

a)           O objetivo da alfabetização é associar os processos de construção do pensamento aos progressos escolares, uma vez que o avanço escolar será dependente do progresso de conceitualização.
b)           A pedagogia deve encarar a aprendizagem da leitura como um mecanismo de correspondência entre o oral e o escrito.
c)             A escrita deve ser considerada uma cópia passiva dos modelos do mundo adulto.
d)           A escrita é um objeto de conhecimento, por isso, para ensiná-la é necessário levar em consideração as tentativas individuais infantis, a interação, o aspecto social da escrita.
e)            A criança aprende segundo a lógica do adulto que segue a lógica, única e permanente, proposta pelos métodos de alfabetização.

2) (CESGRANRIO 2010). O conjunto de princípios para explicar a aprendizagem constitui o que se denomina teorias da aprendizagem. Nessa perspectiva, conclui-se corretamente que a teoria:
a) Sociocultural tem como base a ideia de que a aprendizagem ocorre principalmente em processos de relações sociais, com a ajuda de pessoas mais experientes.
b) Sociocultural tem como base a ideia de que a aprendizagem é diretamente ligada à maturação e à inteligência emocional dos sujeitos aprendentes.
c) Comportamentalista tem como base a ideia de que a aprendizagem é processo subjetivo diretamente ligado às estruturas psicogenéticas dos sujeitos.
d) Genética tem como base a ideia de que a aprendizagem ocorre principalmente baseada nas relações sociais e culturais dos sujeitos no processo de desenvolvimento de suas capacidades e funções
e) Genética tem como base a ideia de que a aprendizagem ocorre principalmente baseada em processos ambientais e estímulos que ali se façam presentes.














Resposta comentada dos exercícios da unidade I.

Exercício 1: Letra D.
Conforme as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky a criança tem a capacidade de construir o seu conhecimento, portanto, o professor, o mediador da aprendizagem deve entender que é preciso que a criança realize interações com o seu próprio aprendizado para construir o seu aprendizado. Essas interações requerem respeito ao ritmo de aprendizado da criança e não priorizar o erro, pois são por meio das tentativas que a criança constrói sua escrita, como exemplo.

Exercício 2: Letra A
A teoria sociocultural de Vygotsky disserta que as interações ou mediações é que propiciam a aprendizagem ao indivíduo (conceito de aprendizagem mediada). Ao interagir com o meio em que vive e as pessoas é que ocorrem as internalizações e representações que acrescentam saberes aos processos mentais. As outras pessoas “mais experientes” são os mediadores dessa aquisição da aprendizagem.
















Referências

Figuras e ilustrações

Figura 1 – Evolução da escrita no decorrer do tempo


Figura 2 – Foto da psicopedagoga argentina Emilia Ferreiro


Figura 3 – Garatujas


Figura 4 – Foto do psicólogo bielo-russo Lev Semenovich Vygotsky


Figura 5 – Foto do neuropsicólogo russo Alexander Romanovich Luria

Disponível em: <http://www.resumosetrabalhos.com.br/000562300.jpg>. Acesso em 3 out. 2018.

Figura 6 – Foto do educador brasileiro Paulo Freire

Disponível em:

Figura 7 – Mafalda e Filipe conversam sobre a aquisição da escrita

Disponível em:

Figura 8 – Crianças interagem ao computador

Disponível em:
Audiovisuais

FERREIRO, E. Alfabetização e novas tecnologias. Revista Nova Escola – entrevista com| Emilia Ferreiro.
Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6vZlKa9QlkA>. Acesso em: 3 out. 2018.

Anexo

FERREIRO, E. Alfabetização e novas tecnologias. Revista Nova Escola – entrevista com| Emilia Ferreiro.

Questões unidade 1 – O acesso à  língua escrita

Questão 1

Questão 2
Disponível em: < https://www.aprovaconcursos.com.br/questoes-de-concurso/questao/166288>. Acesso em 13 nov 2018.

Textuais

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Trad. Diana M.Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto Alegre: Artmed, 1999/2006.

FERREIRO, E. Educação e Ciência. Folha de S. Paulo, 3 jun. 1985, p. 14. IN:

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler - em três artigos que se completam. Coleção Questões da Nossa Época, v.13. 50a ed. São Paulo: Cortez, 2009. Link do livro disponível em:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários a prática educativa. 4ed. São Paulo. Paz e Terra, 1997.

LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006.

PISA (Resultado 2015). Programme for International Student Assessment) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Acesso em 9/11/2018. <http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2018.

PISA. Cronograma PISA 2018. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/pisa>. Acesso em: 14 nov. 2018.

Acesso em 14 nov. 2018.

TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. Petrópolis: Ed. Vozes, 9ª edição, 2002.

VYGOTSKY, LEV S. Pensamento e Linguagem. Coleção Psicologia e Pedagogia. São Paulo: Martins Editora. 2008.

WEISZ, Telma. Mini currículo informado em nota de rodapé 3.





















Anexo

Texto para leitura – Alfabetização e novas tecnologias

Entrevista com Telma Weisz e Emilia Ferreiro. Parte da entrevista veiculada pela revista NOVA ESCOLA (na íntegra):

NOVA ESCOLA promove encontro entre Emilia Ferreiro e Telma Weisz.
Reunidas, duas das maiores especialistas em alfabetização conversam sobre ensinar a ler e escrever.
POR: Denise Pellegrini, NOVA ESCOLA, Beatriz Vichessi, 01 de Junho de 2013.

NOVA ESCOLA promove encontro entre Emilia Ferreiro e Telma Weisz. Foto: Patricia Stavis

Telma Weisz (à esq.), doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), foi orientada por Emilia Ferreiro. É supervisora pedagógica do Programa Ler e Escrever da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

Emilia Ferreiro Psicolinguista argentina radicada no México, tem sete doutorados honoris causa. É pesquisadora emérita do Sistema Nacional de Investigadores do México (Cinvestav, em espanhol).

Há décadas se sabe que as crianças pensam sobre a escrita e querem descobrir para que ela serve e como funciona. Não pedem permissão para aprender: têm ideias sobre esse objeto de conhecimento que não foram ensinadas pela escola. Compreender o processo de aquisição da escrita pelos pequenos é fundamental e tornou-se possível com a divulgação de pesquisas de Emilia Ferreiro, referência mundial em alfabetização.

Durante cerca de uma hora e meia, Emilia conversou sobre o assunto com Telma Weisz, a convite de NOVA ESCOLA, que transmitiu o evento acompanhado em tempo real por cerca de 5 mil educadores. Entre os temas abordados estão a importância da Educação Infantil para inserir a criançada no mundo da escrita, a formação de escritores (e não apenas de leitores) e as transformações das práticas de leitura e escrita em meios digitais. Leia, a seguir, os principais trechos.

TELMA WEISZ: Há, no Brasil, a ideia de que qualquer trabalho com a leitura e a escrita na Educação Infantil é uma antecipação do Ensino Fundamental. O que os pequenos podem aprender na pré-escola sobre leitura e escrita?

EMILIA FERREIRO: Nessa fase, se dá a introdução à cultura escrita. Parece-nos normal comprar livros de histórias para uma criança que não sabe ler e ler para ela em voz alta. Muitas vezes, a colocamos no colo e a abraçamos, juntamente com o livro. Nesse abraço afetuoso, lhe damos acesso ao mistério. Porque a leitura em voz alta é um ato de mistério. Se a Educação Infantil vai permitir experiências fundamentais como essa, então, bem-vinda seja a introdução à cultura escrita, que para qualquer pessoa alfabetizada, de classe média, parece normal e natural. Isso possibilita à criança entender para que se lê e para que se escreve; que se queremos lembrar de algo podemos anotar; e que lendo obtemos informações que não tínhamos antes - sejam relevantes ou ocasionais. Permitir aos pequenos entender as funções da língua escrita não é antecipar o Ensino Fundamental, é contribuir para que eles ingressem nas práticas sociais pertinentes para a escrita. Nesse sentido, um dos elementos didáticos mais importantes na Educação Infantil são as bibliotecas de sala, das quais sou uma defensora convicta. Pude constatar, no México, o impacto enorme que elas têm nas turmas de 4 e 5 anos.

TELMA WEISZ: Você falou da entrada no mundo da escrita pela leitura, mas uma questão importante, do meu ponto de vista, para as crianças da Educação Infantil é a possibilidade de escrever conforme suas ideias.

EMILIA FERREIRO: Concordo plenamente. Estamos acostumados a oferecer cadernos, lápis e canetas e a estimulá-las a desenhar. E quando fazem uma coisa redonda, com alguns pontos dentro e umas linhas retas que saem dessa bola dizemos: "Já começou a desenhar. É uma figura humana!". Vemos com olhos positivos essa produção que, de outro ponto, poderia ser considerada feia, ruim. Quando dessas linhas retas saem outras, dizemos: "Já colocou dedos, olhos, cabelos". Ficamos fascinados diante da produção e não pensamos que ela pode começar a escrever. Se as letras não são convencionais, dizemos: "Melhor que não escreva". Aprender a escrever não é um processo idêntico, mas é parecido com aprender a falar. Se nos dissessem para não falar até pronunciarmos corretamente todos os sons, seríamos todos mudos. Faz sentido dizer que se aprende a ler lendo e que se aprende a escrever escrevendo, na medida em que enxergamos isso como um processo. Há uma maneira de escrever aos 3, 4 e 5 anos como há uma maneira de falar aos 3, 4 e 5 anos. Para a fala, não exigimos perfeição desde o início, mas fazemos isso com a escrita.

TELMA WEISZ: No Brasil, existe a dúvida se há ou não idade certa para alfabetizar. Qual sua opinião?

EMILIA FERREIRO: Essa é uma questão que tem a ver com decisões do país, das quais não estou informada. Mas considerando a pergunta em termos gerais, a alfabetização é um processo que pode ter início muito cedo quando são dadas oportunidades. Se ninguém escreve e lê no entorno dos pequenos e se não há livros, eles não têm condições de dar os primeiros passos na cultura escrita. Lembro-me de uma frase que escrevi: "As crianças têm o péssimo hábito de não pedir permissão para começar a aprender". Sabemos que ninguém espera ter 6 anos e uma professora à frente para começar a aprender. Os alunos chegam à escola sabendo coisas, falta reconhecer isso. Mas é válido dizer que muitos países latino-americanos, mesmo enfrentando situações de fracasso escolar, têm conseguido, em parte, reverter o quadro.
TELMA WEISZ: De fato, em alguns lugares, os avanços foram grandes. Na rede estadual de São Paulo, por exemplo, com o Programa Ler e Escrever, 95% dos estudantes de 8 anos escrevem alfabeticamente e leem com autonomia. Com a entrada dos alunos no Ensino Fundamental aos 6 anos, a rede se propõe a alcançar esse índice com crianças de 7 anos. Outro dado relevante é que 10% já sabem ler quando chegam à escola. Em todas as instituições, até em regiões pobres, temos mais ou menos esse número. Devem ser feitos estudos a respeito para que os professores saibam disso.

EMILIA FERREIRO: Sobre os 5% que ainda não conseguem escrever alfabeticamente e ler com autonomia você não disse que eles têm alguma patologia e não o fez pois se baseou na ideia de que todos podem aprender. O fracasso escolar não é questão de patologias nem de falta de estímulo em casa. É fácil atribuir o problema a fatores externos. Ao começar uma experiência, não devemos classificar os alunos no primeiro, segundo, terceiro dia de aula - o que vai aprender, o que vai mais ou menos e o que certamente não vai -, assim estaremos contribuindo para o fracasso escolar. Também vale considerar que os resultados em Educação vêm a longo prazo.

TELMA WEISZ: O nome de seu novo livro é O Ingresso na Escrita e nas Culturas do Escrito (488 págs., Ed. Cortez, tel. 11-3611-9616, 65 reais). O que quer dizer com esse título e como ele se relaciona com a ideia de separar alfabetização e letramento?

EMILIA FERREIRO: O título está centrado nas culturas do escrito, no plural, para recordar que a escrita é um produto histórico de culturas urbanas. Quando se leva a sério sua história, vemos que ela não é só um instrumento, como a colher ou a roda. É muito mais: um objeto cultural permeado por valores, a maneira de representar a língua oral que certas culturas fabricaram e transmitiram. O segundo capítulo fala da chegada às escolas europeias de milhares de imigrantes, que não falavam a língua do país e, em muitos casos de países árabes, com um sistema de escrita diferente. O que fazer com essas crianças? As melhores educadoras europeias disseram não estar preparadas. Mas aprenderam a lidar com a questão até chegar a experiências fantásticas, em que a diversidade de línguas e de escritas foi utilizada didaticamente. No norte de Itália, alunos de 4 e 5 anos têm nas bibliotecas de sala livros em diferentes línguas e sistemas de escrita, e refletem sobre eles. Sobre alfabetização e letramento, considero que essas terminologias dissociam o código dos usos e funções sociais da escrita. Ela é um sistema de representação da linguagem e está mal caracterizada quando se pensa que é um código de transcrição da fala, e a questão não se resolve dizendo que há que se alfabetizar letrando e letrar alfabetizando. Uma vez gerados dois termos, é como se passassem a existir duas maneiras distintas de abordar esses componentes. Isso contribui para considerar novamente a escrita como um código.

TELMA WEISZ: Muita gente está falando em alfabetização digital. O que você pensa disso?

EMILIA FERREIRO: Não gosto dessa expressão pois creio que a alfabetização no século 21 inclui todos os objetos em que circulam imagens e textos. No passado, o quadro negro era o suporte principal da escrita. Depois, foi preciso incluir outros objetos, como os livros de estudo. É necessário introduzir os alunos em uma cultura escrita que tem como principal característica a variedade de superfícies sobre as quais se realizam as escritas, incluindo todos os procedimentos digitais que conhecemos hoje e os que virão. Atualmente, existem cláusulas inconcebíveis em contratos, como a que diz "esta obra pode ser reproduzida em qualquer tipo de superfície que conhecemos ou vamos conhecer...". Ninguém sabe o que virá pela frente, mas temos de estar preparados para mudanças.

TELMA WEISZ: O computador disponibiliza muitos recursos para a escrita e uma infinidade de tipografias.
EMILIA FERREIRO: Exatamente, nada disso existia no passado. Eram recursos da imprensa e hoje são acessíveis para qualquer pessoa. Quantas crianças mandam mensagens de texto pelo celular e não digitam com os dedos que tradicionalmente eram usados para escrever? Elas recorrem aos polegares, que não eram particularmente interessantes para produzir letras. Agora também se escreve com as duas mãos, não só com uma. Há algumas discussões que envelheceram, como a relacionada ao ensino da letra cursiva. Em qualquer processador de textos se pode escolher a opção cursiva ou a gótica, por exemplo, ou mesmo usar caracteres maiúsculos.

TELMA WEISZ: Com frequência, somos questionadas sobre consciência fonológica. Poderíamos conversar um pouco sobre a produção da escrita e a consciência fonológica, que é uma questão centrada no oral?

EMILIA FERREIRO: Há muita segmentação na oralidade: é possível segmentar em palavras, em grupos sintáticos, em sílabas e, eventualmente, em fonemas, que são impossíveis de serem fragmentados em átomos de fala. Mas para que segmentar a fala? A segmentação até a unidade da sílaba pode ter funções comunicativas e não precisa ser ensinada. Por exemplo, quando uma criança pede chocolate à mãe que está longe, grita: "cho-co-la-te", separando as sílabas. Isso também aparece em jogos e brincadeiras orais com músicas, rimas etc. Os fonemas só servem para escrever alfabeticamente. E requerem uma análise própria porque muitos não podem ser ditos isoladamente. As vogais, sim, podem ser pronunciadas sozinhas, mas as consoantes são outro problema. A grande discussão é se a segmentação em fonemas, supondo que há realmente a possibilidade de isolar todos os sons das consoantes, tem de anteceder a introdução à língua escrita, se tem que ser um pré- requisito...

TELMA WEISZ: Isso parece um retorno à ideia de prontidão. Durante anos, alunos foram sacrificados, jamais se leu para eles. Ficavam com a sensação de que escrever era um puro exercício motor e não aprendiam, aumentando índices de repetência.

EMILIA FERREIRO: A discussão sobre pedir que os pequenos recortem os sons antes de aprender a ler e escrever é perigosa, um regresso à ideia de pré-requisitos. Por outro lado, pesquisas mostram uma estreita relação entre a evolução da escrita das crianças e a possibilidade de recorte oral. A escrita é uma atividade extremamente analítica. Escrever é colocar uma letra depois de outra e outra, o que leva o aluno a relacionar essa sequência à sequência de sons da fala. Esse trabalho de recorte da fala ajuda a pensar que letras usar e em que ordem. Então, não me parece estranha a relação entre o progresso da escrita na criança e o progresso da capacidade de compreender segmentos pequenos da fala. O recorte em fonemas serve somente para refletir sobre a escrita. Não entendo por que dissociá-lo das atividades de produção escrita.

Este texto é resultado de edição de trechos do diálogo entre Emilia Ferreiro e Telma Weisz;


















[1] O PISA 2018 será informado no site do INEP, segundo cronograma, no segundo semestre de 2019. (Site disponibilizado em referências).
[2] Jean Piaget (1896-1980) foi o nome mais influente no campo da educação durante a segunda metade do século 20, a ponto de quase se tornar sinônimo de pedagogia.
[3] Educadora carioca Telma Weisz. Doutora em Psicologia da Aprendizagem pela Universidade de São Paulo (USP), uma das criadoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª séries e consultora do MEC para projetos de formação de professores

O acesso à língua escrita

“[...] Por trás das mãos que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.” (Ferreiro, 2006, p...